CONGRESSO DO MEDO

A ANATOMIA DO MEDO


O "Congresso do Medo" é um colectivo que congrega e apoia pessoas singulares, entidades públicas e privadas que tenham por objectivo proporcionar um fórum de debate dedicado a estas temáticas. 


Dinamiza, igualmente, a criação de projetos nacionais e internacionais nas áreas correlatas e de intervenção, consolidando práticas de colaboração, divulgação e conhecimento multidisciplinar, promovendo a integração do assunto entre comunidades. 


Pretende, ainda, fundar redes de colaboração e divulgação em matérias associadas. 


O tema do próximo congresso nas palavras do seu curador:


No dia em que nasci a minha mãe trouxe ao mundo dois seres. Eu e os meus medos. Sobre esse meu irmão gémeo Cervantes disse ter muitos olhos, vendo coisas no fundo de mim. Nos nossos dias o medo tornou-se uma emoção destrutiva, habitando, definitivamente, no subterrâneo das nossas mentes. 


À margem das reações instintivas, crenças limitantes, da própria cultura ou da mitologia,..., a origem do medo estará, ainda para muitos, radicada na organização biológica do ser humano, surgindo deste modo a anatomia do medo. Em vista disso, o medo aparece-nos radicado no arresto da amígdala humana. Aí, das “conversas” que acontecem na zona reptilária do cérebro, a nossa área mais recôndita da existência, surge o medo. A primeira e mais intensa das emoções, o medo, mostra-se, então, embasado na fisiologia humana, mais que na mente colectiva ou nos pavores individuais de cada um de nós. Surge, então, a ideia do medo como uma reação complexa do corpo físico a um estimulo do sistema limbico, também conhecido pelo cérebro emocional. 


Partamos, ainda, da premissa que o medo não serve para evitar o perigo. Para isso apenas necessitamos de inteligência ou, até mesmo, nos baste ter bom-senso e uma razoável memória. Logo, o medo poderá ser compreendido, tantas vezes, do ponto de vista cultural. Isto a bem da evolução dos seres humanos e não humanos. Ainda, há demasiados autores a defender que o medo reside em todos os seres sencientes, pretendendo com isso justificar que o medo é, fundamentalmente, biológico. E, também será, acho. De facto tudo o que é relacional depende da comunicação entre hardware e software. E a cultura é, igualmente, isso. O que trazemos, o que experimentamos e o resultado disso mesmo. Acresce aqui a dúvida na tentativa de perceber qual entre os dois, se o hardware ou o software, está no comando quando pensamos no ciclo evolução e adaptação. A este propósito não poderei de deixar de lembrar uma frase de Schopenhauer que me tem acompanhado ao longo da vida. “O homem pode fazer o que quer, mas não pode querer o que quer”. É pois nesta possibilidade que residem todas as repostas no que ao comportamento do ser humano diz respeito. Por que ficaria o medo fora deste condicionalismo? 


Acredito, portanto, que o medo é também, em muito,  cultural. Cheguei a tais conclusões observando o comportamento dos cães. Quando eu era miúdo os cães tinham por hábito reagir ao movimento e ao ruído de forma distinta da atual. Corriam atrás das motorizadas e das bicicletas. Reagiam ferozmente quando observavam um gato. O mesmo para as pessoas desconhecidas. Hoje isso, praticamente, já não acontece, isto especialmente nas grandes cidades. Mas, o que mais me ajudou nesta observação foi um outro aspecto muito mais esclarecedor relativamente ao medo. Quando eu era criança era frequente encontrar cães soltos pela rua, pelos campos,..., eles viviam em liberdade e muitos eram audazes na defesa dos seus interesses. Então, todos os miúdos sabiam que para afastar um cão bastava fazer de conta que estávamos a apanhar uma pedra, ainda que imaginária, desenhando seguidamente o movimento que a irÍamos atirar ao canídeo. Era infalível. O cão fugia a sete pés. Nos nossos dias sempre que tento repetir este exercício o resultado é bem diferente. Eles já não têm medo que eu lhes atire uma pedra, do ruído das motorizadas, do movimento misterioso dos ciclistas,..., convivendo , mesmo, pacificamente com os gatos. O cão tem, agora, diferente atitude perante a ameaça e o medo do desconhecido. Porquê? Porque culturalmente as condições se alteraram. O mesmo acontece com os seres humanos. Com as devidas diferenças culturais, geográficas e cronológicas, naturalmente. 


Mais. Há anos que explico a relação entre a cultura e o medo a partir de uma ideia que facilmente se compreende nos nossos dias. Conforme eu viajo pelo planeta eu vou encontrar medos diferentes. Ou seja, o medo está eminentemente dependente da cultura local. Por exemplo, para os ocidentais existe muito medo da morte. Para as tribos animistas do centro de África a morte é um ritual de passagem celebrado alegremente. Igualmente, para os budistas, em qualquer parte do mundo, o medo não assiste à morte. E , deste modo, se justifica a importância do entorno cultural na construção do medo. 


O pensamento ocidental, muito por influência da cultura grega, deu-nos outras pistas, relacionando medo como um erro de perspectiva. Aquilo a que, simplificando, chamaríamos ausência de razão. Ou seja, chegamos ao medo por dificuldade de pensar de forma razoável. Naquela época, como não poderia deixar de ser, lá iam dizendo que haveria alguma influencia divina em tal desordem mental. Depois disso, por altura de meados de 1500, Montaigne afirmava ser o medo mais importuno e insuportável do que a própria morte. A prova disso é a quantidade de pessoas que, ainda hoje, se suicidam por medo. Uns enforcaram-se, outros atiraram-se de assustadores precipícios, outros apenas se afogaram por medo. 


Assim, entre nós, o medo torna-se, na atualidade, grandemente uma projeção psicológica, resultado de uma mente indisciplinada. Com a assunção da ditadura da mente criamos um mundo, cada vez mais, ilusório. Com isto prevejo que no médio prazo o medo perca o seu lado eminente cultural e se passe a radicar na luta pelo controlo mental dos indivíduos. Esse será o espaço que sobra para o extermínio da espécie humana. E em que escola é que se ensina, presentemente, a resistir à colonização da mente humana? Temo que em muito poucas...


No próximo Congresso do Medo, a ter lugar, no mês de novembro de 2024, iremos debater a Origem do Medo.


Paulo Vieira de Castro - Curador do Congresso do Medo

Contacto: geral@paulovieiradecastro.pt



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